quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

CRESCIMENTO



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Crescimento para quem?

O Brasil já é a sexta maior economia do mundo, mas são poucos os que se beneficiaram com o crescimento dos últimos anos


DIEGO CRUZ
da redação
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Ag Brasil
Para Mantega, Brasil terá 'padrão europeu de vida' daqui 20 anos

• A economia brasileira voltou a ser notícia no exterior. Reproduzindo uma estimativa já realizada pelo FMI em outubro, uma empresa de consultoria britânica divulgou nesse dia 26 de dezembro uma nova projeção mostrando o Brasil como a sexta maior economia do mundo, ultrapassando o Reino Unido. Fica atrás apenas dos EUA, China, Japão, Alemanha e França. O levantamento foi publicado pelo Guardian e ganhou repercussão internacional.

O estudo do CEBR (Centro de Pesquisa Econômica e de Negócios) leva em conta o cenário de estagnação econômica da Grã-Bretanha em 2011 (com crescimento de pouco menos de 1% segundo a OCDE), além da projeção de crescimento também reduzido de 3% da economia brasileira. Ao final do ano, a soma de todas as riquezas produzidas no Brasil será o equivalente a 2,51 trilhões de dólares, enquanto que no Reino Unido ficará na ordem de 2,48 trilhões.

Como não poderia deixar de ser, o anúncio foi mote para nova rodada de comemorações ufanistas do governo e parte da imprensa. Mesmo os que relativizaram a notícia afirmaram que o feito seria um marco histórico para o país. Teríamos mesmo razão para comemorar? Qual o sentido dessa mudança no ranking das maiores economias do planeta?

Crise e a nova divisão internacional
O estudo revela uma dinâmica que não é nenhuma novidade nos últimos três anos: enquanto os países centrais enfrentam recessão ou estagnação econômica, os chamados ‘emergentes’, ou os ‘Bric’s’ continuam crescendo. Nesse contexto, o Brasil tem papel de destaque, pegando carona no aumento da demanda chinesa por matéria-primas (as chamadas ‘commodities’).

Tal posição foi possibilitada devido à relocalização do Brasil no mercado internacional. Desde o final da era FHC o país tratou de mudar sua balança comercial através do apoio e benefício dos setores agroexportadores. De sucessivos déficits, o Brasil passou a acumular superávits bilionários. Essa política foi aprofundada pelo governo Lula (que promoveu os fazendeiros a ‘heróis nacionais’). Já o crescimento da economia mundial, até o crash no final de 2008, consolidou essa nova posição do país na divisão internacional do trabalho, de grande fornecedora de matéria-primas (ainda que, regionalmente, o país tenha avançado como plataforma de exportação de produtos industrializados para as multinacionais).

Os tão aclamados ‘Bric’s’ teriam a seguinte função nessa nova configuração da economia mundial: o Brasil seria o celeiro; Rússia a fornecedora de petróleo e energia; a Índia a prestadora de serviços baratos, como de ‘call center’; China e a sua farta mão de obra barata e devidamente controlada, a fábrica do planeta. O crescimento dos emergentes no último período não muda a engrenagem do capitalismo internacional.

A dinâmica continua sendo determinada pelas potências imperialistas e a crise internacional, mais cedo ou mais tarde, vai acabar afetando o crescimento do restante do mundo. O Brasil já sente esses efeitos, como ficou registrado na estagnação econômica do terceiro trimestre deste ano, com redução de setores como a indústria e o consumo das famílias.

A própria diminuição na estimativa de crescimento para o ano, de 4,5% para 3% no melhor das hipóteses, já foi uma confissão do governo Dilma de que o país não está invulnerável ao que acontece lá fora. Assim, as ‘profecias’ realizadas pelo ministro da Fazenda Guido Mantega embalado na notícia do Guardian, de que o Brasil vai superar a França em 2015 e que terá um padrão de vida europeu daqui a 20 anos, mesmo não sendo nada ambiciosas, partem do pressuposto de que a economia vai continuar sua rota ascendente, descolada do resto do planeta. Sabemos, e o próprio governo também, que não será assim.

Crescimento para quem?
A subida do Brasil no ranking das maiores economias do mundo também foi beneficiado pela valorização cambial, que confere um aumento artificial do PIB quando convertido ao dólar. Mas isso não esconde o fato de que o país realmente cresceu nos últimos anos, com exceção de 2009 quando sentiu o baque da crise. A questão passa a ser: quem se beneficiou realmente com esse crescimento?

A capa da revista britânica The Economist de 2009, com o Cristo Redentor levantando vôo como um foguete supersônico não ilustra a real situação do país. Embora o PIB esteja entre os maiores do mundo, quando vemos o PIB per capita, ou seja, esse valor divido pela população, a coisa muda. Enquanto no Brasil ele foi de 10,7 mil dólares em 2010, no Reino Unido ele supera os 36 mil dólares.

Até mesmo em países quebrados e com alto índice de desemprego na Europa tem a renda per capita muito superior ao Brasil. Na Espanha a estimativa do PIB per capita para este ano é de 33 mil dólares, na Grécia 27,8 mil, e Portugal, 22,6 mil.

Mas é observando o chamado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), medido pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), que dá para se ter uma ligeira ideia da real situação em que se encontra a maior parte do povo brasileiro. Embora os critérios sejam questionáveis, o índice busca medir o nível de vida de uma população relacionando PIB per capita com a estimativa de vida e nível de escolaridade. Nele, o Brasil ocupa o 84º lugar entre os 187 países avaliados, abaixo de países como Bósnia e Herzegovina, Venezuela e Peru. Reino Unido está em 28º lugar.

Já os dados divulgados recentemente pelo IBGE, por sua vez, mostram que nos últimos vinte anos mais do que dobrou o número de pessoas que vivem em favelas. De acordo com os dados coletados no último Censo no ano passado, 11,42 milhões de pessoas, ou 6% de toda a população, vivem em algum tipo de habitação considerada irregular. Em 1991 esse número era de 4,48 milhões. Número que não é de se espantar num país em que 8,5% da população sobrevive abaixo da linha da pobreza e que metade das habitações ainda não contam com rede de esgoto.

A permanência de problemas estruturais, como a miséria, assim como a precariedade de serviços públicos como educação e saúde indicam que esse PIB que tanto cresceu nos últimos anos não se reverteu em benefícios para a grande maioria dos brasileiros. Não se refletiu, por exemplo, no crescimento do salário mínimo, cerca de ¼ do valor que constitucionalmente deveria ter de acordo com o Dieese. Ou no crescimento tímido da renda média no último período.

Quem então abocanha a maior parte das riquezas produzidas no país? O orçamento aprovado recentemente pelo Senado dá uma pista. Segundo a Auditoria Cidadã da Dívida, o equivalente a 47% do orçamento federal vai ser destinado ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública, ou R$ 1 trilhão. Considerando a estimativa par ao PIB em 2012, de 2,5 trilhões de dólares, equivalente a R$ 4,5 trilhões, chegamos à conclusão de que nada menos que 22% de tudo o que será produzido no país vai para a agiotagem internacional. Enquanto isso o governo promete aplicar o equivalente a 7% do PIB em educação até 2020.

Muito para poucos
O governo Dilma vem dando seqüência ao governo Lula e aposta em um modelo de crescimento econômico dependente e conservador, ao estilo do que foram os anos de ‘milagre econômico’ do período da ditadura. Com direito ao desenvolvimentisto retrógrado das grandes obras, como a transposição do rio São Francisco e a usina de Belo Monte. Com a diferença de que, ao contrário do que apregoa o governo, agora não há mobilidade social. A redução do desemprego com a abertura de vagas de trabalho com baixa remuneração, assim como a expansão do crédito, criam a ilusão de ascensão social para boa parte da população. Mas os problemas estruturais persistem.

A perspectiva de aprofundamento da crise internacional com a piora do quadro na Europa e sua enorme crise fiscal, porém, levanta dúvidas sobre o horizonte da economia no Brasil. Não dá para dizer quando virá, mas pode-se assegurar que o país, com sua economia aberta e desnacionalizada, será afetado, como foi em 2009. Quando isso ocorrer, os que realmente estão ganhando agora irão jogar a crise nas costas dos que menos ganham.

SEM PALAVRAS

domingo, 22 de janeiro de 2012

pinheirinho


Do blog Solidariedade à Ocupação do Pinheirinho:

Covardia! Apesar de todas as decisões judiciais contrarias a PM começou a desocupação do Pinheirinho nesta madrugada. Helicópteros e tropas de choque isolaram a área e entraram na ocupação pegando a todos de surpresa. A PM esta desfazendo as barricadas e organizando o despejo. Ha noticias de feridos.

Os moradores da região estão revoltados e estão quebrando as dependências de apoio da polícia. Dentro da ocupação moradores resistem, esta tendo confronto direto com a polícia que esta usando todo o aparato para repressão.

Alerta Brasil! Quem puder vir para São José dos Campos venham. Precisamos de solidariedade!

Pinheirinho está sendo desocupado de forma violenta e ostensiva pela PM apesar da decisão judicial em contrário! A ação é ilegal!

Helicópteros, bombas, tiros de borracha, tudo que se possa imaginar.

Personalidades, direitos humanos, políticos: ajudem a parar esse massacre!

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

PINHEIRINHO



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Reportagem: o outro lado do Pinheirinho



LUCIANA CANDIDO, DIRETO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS


Reginaldo e Priscila com os filhos no Pinheirinho

• Aproveitamos a relativa calma da quarta-feira, 18, para passear pelo Pinheirinho e conhecer melhor seus moradores. O cartunista Carlos Latuff nos acompanhava e postava fotos dos lugares por onde passávamos em seu Twitter. Ele veio do Rio de Janeiro especialmente para visitar o bairro, um apoio muito importante para aquela população.

Voltamos à casa de Priscila e Reginaldo nesta quarta-feira. Quando chegamos, Priscila estava com as roupas todas do lado de fora, separando para levar no caso de ser retirada pela polícia – e também para secar, pois estavam úmidas da chuva que quase não para. A pequena Pâmela, de apenas um mês, chorava no colo da mãe. Pablo, o filho de três anos, assistia desenho animado dentro da casa. Reginaldo estava trabalhando fora.

A casa é pequena, mas foi construída pelo próprio Reginaldo, que é um homem muito criativo. No jardim, ele separou um cantinho para as crianças, que decorou com brinquedos de todos os tipos. Reginaldo fez para os filhos. Ao fundo, a plantação recebe o nome de Sítio do Ricardo. “Ricardo era o nome do irmão do Reginaldo. Ele morreu de câncer. O Reginaldo plantou o feijão formando o nome dele. Já está crescendo, dá para ver um pouco”, contou Priscila.

No pequeno rancho da família, também tem mandioca, melancia, cebolinha, banana entre outras plantas. Eles vivem disso e da reciclagem, atividade muito comum no Pinheirinho. Priscila contou que o filho Pablo é muito inteligente. Tentando imitar o trabalho do pai, ele brinca com a enxada. Ela mostrou umas pedras que enfeitam o jardim de brinquedos que foram colocadas por Pablo. “Perguntei para ele ‘o que você está fazendo?’ E ele disse ‘é pra ficar bonito, mae’.”

Perguntamos como tinham passado a noite de segunda para terça, quando quase aconteceu a invasão. “Eu lembrei muito de vocês, pensei ‘eles devem estar lá na frente’. O Reginaldo foi lá, mas não viu vocês. Também, era muita gente”, comenta Priscila.

Ela contou que ficou com as crianças na igreja, local destinado para resguardar as crianças, os idosos e os deficientes no momento da invasão.“Como foi na hora que você recebeu a notícia?”, perguntamos. “Nossa, foi uma choradeira só, aquele monte de mães”, respondeu.

Pâmela parou de chorar. “Ela sente, eles sabem que tem alguma coisa ruim acontecendo”, lastimou Priscila.

Nós nos despedimos e seguimos andando. O Pinheirinho é grande e ainda havia muitas ruas para percorrer.

QUESTÃO INDIGENA


HOJE, 20 DE JANEIRO É DIA DA CONSCIÊNCIA INDÍGENA!!!!
PEÇO PERDÃO, MAS DECLARO-ME VIVO! (Ashinika-foto)

domingo, 15 de janeiro de 2012

PSTU



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Os “brancaleones” do Pinheirinho e a luta pelos sonhos impossíveis



WILSON H. SILVA
da redação do Opinião Socialista
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Filme excepcional inspirou o grito de guerra de milhares de ativistas

• Hoje, 14 de janeiro, a Folha de S. Paulo estampou em mais de um quarto de sua capa uma foto mostrando uma tropa, no mínimo, inusitada, formada por algumas dezenas de pessoas, “armadas” com pedaços de pau, vestindo capacetes de motocicleta e empunhando escudos claramente feitos de material reciclado.

Abaixo da foto, o editor de um dos principais jornais do país, acrescentou outras imagens, detalhando alguns dos objetos: caneleiras construídas com cano de PVC, escudos de barril de plástico, um escudo feito de antena-parabólica, uma lança com uma coroa de bicicleta e uma faca na ponta. Na legenda abaixo da foto, explicava-se a cena: o grupo era formado por “moradores de uma área invadida desde 2004, em São José dos Campos”, em “trajes de guerra” para enfrentar uma possível reintegração de posse, pela polícia.

Todos nós, envolvidos na luta contra toda forma de exploração e opressão, ao contrário de enxergarmos invasores – ou ficarmos apavorados, ou vermos a história como uma “bizarrice” (como, certamente, pretendiam os editores da Folha) –, com certeza reconhecemos os valorosos lutadores do Pinheirinho e nos empolgamos e nos comovemos com sua disposição de luta em defesa do mais do que justo direito à moradia.

Contudo, os mais antigos na militância revolucionária, com certeza, também tiveram sua atenção chamada para uma comparação que a Folha e outros órgãos da grande mídia fizeram entre a imagem e o personagem central de um filme italiano, de 1966: O incrível exército de Brancaleone, de Mario Monicelli.

“Branca, branca, branca... aqui estão os soldados de Leon”
Na matéria da Folha, os repórteres Giba Bergamini e Jorge Araújo afirmam que, como no filme italiano, que mostra um “grupo de soldados maltrapilhos que se arma para defender suas terras, tudo é improviso”.

O que eles não disseram, mas que, certamente, ecoou na cabeça de muita gente que militou entre o final dos anos 1970 e o início dos 80, é que o filme excepcional também inspirou o grito de guerra de milhares de ativistas, principalmente jovens, que, na época, militavam influenciados pelas ideias e posições políticas do líder da Revolução Russa, de 1917, Leon Trotsky.

Naqueles anos em que, pouco a pouco, punhados de gente e movimentos foram se levantando contra a monstruosa da ditadura e o sistema que havia se beneficiado com ela; onde houvesse uma luta, em qualquer assembléia ou nas passeatas dos movimentos estudantis e sindical, não era incomum que, do nada, irrompesse, a plenos pulmões, em uníssono, o aviso de que os “troscos” estavam na área: “É Branca, Branca, Branca…Leon, Leon, Leon…aqui estão os soldados de Leon”.

A adoção pelos trotskistas do grito de guerra se dava porque a relação entre o anti-herói de Monicelli e o líder revolucionário era inevitável. Trotsky foi um dos principais líderes da primeira onda revolucionária na Rússia, ainda em 1905; depois, organizou o liderou o Exército Vermelho, que garantiu a vitória da Revolução. E, como isso não bastasse, dedicou o resto de sua vida à luta contra a burocratização e degeneração do Estado Operário, sob a batuta sanguinária de Josef Stalin.

Assassinado a mando de Stalin, em 1940, no México, Trotsky deixou como sua principal herança a Quarta Internacional, um partido internacional da Revolução, que desde então (pelo menos entre aqueles que, realmente, se mantiveram fiéis às idéias do revolucionário russo), de forma sempre minoritária, mas incansavelmente aguerrida e coerente, tem dado continuidade à luta contra o capitalismo e os contra-revolucionários.

No processo de democratização, ao se identificarem com o filme, aqueles militantes não estavam fazendo nada mais do que incorporar (de forma genial) a essência da comédia satírica de Monicelli. Uma essência que, em grande medida, foi traduzida pelo jornalista Paulo Moreira Leite, em uma crônica que escreveu para a Revista Época, em 30 de novembro de 2011, quando Monicelli faleceu, aos 95 anos.

Como lembra Moreira Leite, o que fazia com que os “soldados de Leon” se vissem como parte do incrível exército de Brancaleone era o fato de que eles haviam reconhecido a si próprios naqueles maltrapilhos, que, nas palavras do jornalista, “atravessam cidades destruídas pela peste, enfrentam o frio e a fome, perseguem sonhos e miragens — mas seguem fiéis a si mesmos e a seu modo de vida, com aventuras e risco. Não perdem o humor nem a capacidade de auto-ironia. Sabem que em algumas situações é mais importante não desistir do que vencer”.

Tirando a conclusão, a descrição não só caia (e sempre há de cair) como uma luva para os “troscos”, como também é a tradução fiel do povo do Pinheirinho e, hoje, particularmente, do seu aguerrido “batalhão anti-choque”. A começar, inclusive, pelo alto grau de ironia que há nos “uniformes” dos companheiros e companheiras. Mas, com uma diferença: desta vez, em S. José, também como no filme, é possível vencer.

Os “sonhos impossíveis” de brancaleones, quixotes...
No filme, Monicelli escracha o sistema e todas as instituições de poder vigentes na época em que a história se passa (a Idade Média) através de uma ácida sátira, na qual o anti-herói Brancaleone e seus homens (um bando de pobres e marginalizados recolhidos pelo caminho) enfrentam a peste negra, a violência do exército sarraceno, as imposições da igreja bizantina e os bárbaros, em defesa de um pedaço de terra.

Exatamente por ser contrária à própria lógica do sistema econômico medieval (o feudalismo, baseado no monopólico das terras pela Igreja e pelos nobres), a luta do exército de Brancaleone é tida como um sonho impossível, um delírio utópico, uma fantasia alucinada, assim como eram as ações do protagonista do clássico da literatura no qual o filme foi assumidamente inspirado: Dom Quixote de La Mancha, escrito por Miguel de Cervantes, entre 1605 e 1615.

Se Quixote era um nobre falido que, inspirado pela excessiva leitura de romances, parte em busca de aventuras num mundo idealizado, Brancaleone é sua versão mais ácida, já influenciada pelos ventos libertários e rebeldes que vagavam pelo mundo em 1966 e, em breve, iriam populizar o “sonho” da juventude: “Seja realista, exija o impossível”.

Brancaleone é um pobre, ultra atrapalhado, que, marginalizado pela sociedade, vive de pequenos expedientes que, no fim das contas, só afetam as instituições e moral da época. O fato é que seu sonho e daqueles que o acompanham (ter um pedaço de terra) é tido como impossível. Tal qual o de Dom Quixote e o título de uma belíssima música de Chico Buarque, feita para um musical escrito com Ruy Guerra, em 1972, no auge da ditadura e da perseguição política, quando muitos sonhavam com a “impossível” liberdade.

Versão de um musical norte-americano, também inspirado na obra de Cervantes, Sonho impossível tem uma das mais belas e inspiradas das letras de Chico, desde seus cortantes versos de abertura: “Sonhar / Mais um sonho impossível / Lutar / Quando é fácil ceder / Vencer o inimigo invencível / Negar quando a regra é vender”. Uma letra que também tem tudo a ver com os nossos Brancaleones e Quixotes que hoje resistem no Pinheirinho.

Por trás de cada capacete, por trás de cada prego que foi colocado na ponta de um “tacape” (rústico, mas eficiente), ao lado de cada um dos integrantes do “batalhão anti-choque” do Pinheirinho, estão os sonhos de um exército cuja força é gigantesca, apesar de todos os pesares. Homens e mulheres que, até mesmo no seu dia-a-dia são capazes de provar que há como transformar o impossível em realidade.

Gente que foi muito bem definida pelo companheiro que a reportagem da Folha identificou como “chefe da tropa” e, por razões óbvias, recusou-se a dar seu nome: “É um exército de pedreiros, metalúrgicos, ajudantes. Pessoas que acordam às 5h para trabalhar e voltam para casa”. Um verdadeiro, digno e heróico exército de Brancaleone.

Um exército que ao desafiar a lógica da propriedade privada e exercer seu legítimo direito de autodefesa em relação às ações sempre violentas e criminosas das forças de repressão que estão a serviço desta lógica, está, mesmo sem saber, entoando uma das partes mais bonitas e significativas da canção de Chico: “É minha lei, é minha questão / Virar esse mundo / Cravar esse chão / Não me importa saber / Se é terrível demais / Quantas guerras terei que vencer / Por um pouco de paz”.

Mas não é só isto que ecoa da imagem e das ações criadas pelos companheiros e companheiras do Pinheirinho. Há nelas, também, a lembrança dos ensinamentos, muitas vezes poéticos, de um outro sujeito sobre o qual muita gente do Pinheirinho (mas, nem todos) certamente nunca ouviu falar: Vladimir Lênin, outro “Quixote” que, a sua maneira, acreditava em sonhos.

“Sonhos: acredite neles”
Em um de seus mais memoráveis escritos, Lênin nos lembra: “É preciso sonhar, mas com a condição de crer em nosso sonho, de observar com atenção a vida real, de confrontar a observação com nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossas fantasias. Sonhos, acredite neles”.

E é exatamente isto que os moradores do Pinheirinho e seu exército estão fazendo: transformando sonho em realidade. São heróicos e corajosos maltrapilhos que decidiram se defender diante da real possibilidade de verem seus sonhos destruídos, suas casas derrubadas, seus filhos e filhas, irmãs e irmãos, pais e mães e, acima de tudo, companheiras e companheiros, serem agredidos e presos.

Se, no mundo da ficção, a tropa anti-choque do Pinheirinho é, sim, herdeira do incrível exército de Brancaleone, no mundo real, as Marias e Zezinhos, os da Silva, os Souzas e os muitos anônimos que, hoje, formam o comitê de defesa em São José dos Campos devem estar ainda mais orgulhosos por terem conquistado o direito de, para sempre, integrarem a verdadeira tropa de elite da História: o Exército dos Lutadores.

A disposição de luta, a garra, a coragem e a sede por justiça demonstradas na forma como estão defendendo sua comunidade lhes dá o direito de figurarem entre uns tantos outros brancaleones que não fugiram da raia, mesmo quando todos diziam que o “sonho era impossível”.

“Maltrapilhos” destemidos, todos os escravizados, explorados e oprimidos que já se levantaram contra seus senhores, patrões ou algozes. Negros, brancos, nordestinos e desterrados valentes como os marinheiros de João Cândido que baniram a chibata dos navios. Mulheres guerreiras como Dandara, que organizou o exército do Quilombo dos Palmares, ou Luiza Mahin, que liderou a Revolta dos Malês, em Salvador.

E, por fim, distante dos motivos insinuados pela mídia, os brancaleones do Pinheirinho também merecem esse codinome por terem conseguido reavivar e fazer vibrar em cada um de nós, comprometidos com a luta contra toda forma de exploração e opressão, uma sensação que a classe dominante (e seus muitos aliados, inclusive aqueles que hoje se encontram nas esferas governamentais) jamais conseguirá entender ou sentir.

Ao criarem seu pequeno exército, os moradores do Pinheirinho nos fizeram lembrar daquilo que alguns podem chamar de quixotesco, mas que se torna real em cada ação como a que está em curso em São José dos Campos: a certeza de que vale a pena lutar; a crença determinada de que não há risco, perigo ou ameaça que possam se colocar entre os explorados e a conquista de tudo a que temos direito, a confiança inabalável que esta luta sempre terá, ao lado de cada um de nós (ou daqueles que nos sucederem), gente com a disposição brancaleônica dos moradores do Pinheirinho.

Gente que, agora, com certeza, não hesitará a se alistar no batalhão do Pinheirinho para impedir que seus direitos sejam violados. Até a vitória!

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

REVOLUÇÃO


FELIZ 2012!